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segunda-feira, 19 de setembro de 2016
quinta-feira, 5 de junho de 2014
Tem
quilombo na Amazônia
Patrícia Marinho de Carvalho
Patrícia Marinho de Carvalho
INTRODUÇÃO
TEM QUILOMBO NA AMAZÔNIA
é um texto adaptado do relatório do diagnóstico arqueológico (setembro/2010) realizado na área ao
longo da Linha de Transmissão de Energia Elétrica no arquipélago de Marajó, sob
a coordenação da empresa A Lasca Arqueologia. Dá ênfase ao patrimônio histórico,
cultural e paisagístico registrado durante a expedição realizada pelas arqueólogas
Julia Berra e Patrícia Marinho de Carvalho nos municípios de Afuá, Chaves, Anajás, Breves e Salvaterra.
Nesse contexto, uma de
nossas preocupações foi à identificação de possíveis comunidades remanescentes de
quilombos em municípios atendidos pelo “Linhão”, como é conhecida pelos
marajoaras a futura Linha de Transmissão da Ilha.
A PRIMEIRA PARTE, “Tem quilombo na Amazônia”, está
dividida em dois subitens, o primeiro,
“Os negros Marajoaras e seus quilombos: passado e presente”, trata da
introdução da mão-de-obra escrava na Amazônia durante o período colonial,
destacando a situação do então Grão-Pará e sua distribuição e história de luta
na ilha de Marajó, e quais são as feições dessa presença negra na ilha nos dias
atuais. O item seguinte, “Arqueologia da
diáspora africana e a cultura material marajoara” traz uma reflexão sobre a
contribuição que os estudos da Arqueologia da Diáspora podem trazer para a ampliação
do conhecimento sobre presença negra na ilha; nesse item é também apresentado
um breve panorama da cultura material produzida pela população marajoara, a fim
de oferecer os aportes iniciais para futuros estudos etnoarqueológicos, que
ajudem a compreender o complexo, mestiço e fascinante universo cultural marajoara,
e assim, dar uma melhor resposta aos futuros impactos provocados pela
instalação e funcionamento da rede de energia.
Na SEGUNDA PARTE são
relatados os demais aspectos históricos e patrimoniais de cada município, bem
como de seu patrimônio natural, sendo apresentados de acordo com a ordem da
expedição: Afuá, Chaves, Anajás, Breves e
Salvaterra.
PRIMEIRA
PARTE – Tem quilombo na Amazônia
a)
Os
negros marajoaras e seus quilombos: passado e presente
Tal qual se observa em
outras regiões brasileiras onde a escravidão do negro africano se fez presente,
a Amazônia não passou incólume por esse processo e da mesma forma também traz
em sua história episódios de rebelião contra a escravidão expressa na formação
de mocambos e quilombos de negros fugitivos. E muitos dos descendentes desses
negros aquilombados ainda podem ser contatados vivendo em comunidades
remanescentes de quilombos, ou vivendo com suas famílias por toda região.
Não apenas a escravidão
indígena foi relevante nessa região da Amazônia, como faz pensar a escassez
bibliográfica sobre o tema, cabendo aos estudos regionais, maior dedicação ao
tema. Essa escassez derivaria do interesse historiográfico pelos ciclos
econômicos, e como destaca Gomes (2005, p.44) “em termos de escravidão para a Amazônia a presença africana teria tido
pouco significado econômico”.
A história da presença
do negro na Amazônia segue os passos da ampliação do território lusitano nas
Américas, cuja conquista da região é selada com a fundação de Belém em 1616, marcada
pelas guerras contra os estrangeiros – ingleses, franceses, holandeses e
irlandeses – que tentavam ocupar a região (SALLES, 1971, p.3).
Para tanto foi
introduzida a lavoura, tendo a mão-de-obra indígena escravizada à principal
fonte de trabalho no primeiro momento e mais tarde somou-se a essa, a força de
trabalho advinda da escravaria africana, que além dos interesses econômicos
próprios do tráfico negreiro, sabe-se dos conflitos entre colonos e jesuítas
pela posse dos indígenas e das dificuldades em sua escravização, por fugas para
o interior da floresta que esses conheciam bem, e alta mortandade dos povos
indígenas que configuraram um verdadeiro massacre, sobretudo com a
intensificação das “descidas”, as expedições de captura de indígenas.
O lento desenvolvimento
da agricultura devido à escolha de produtos impróprios ao clima da região fazia
da escravidão negra um negócio pouco lucrativo. Associado a isso o incentivo ao
extrativismo (“drogas do sertão”) tornou-se relevante e nesta atividade o negro
não se adaptou tão bem quanto o indígena. A escravidão no norte não alcançou o
mesmo volume que em outras regiões do Brasil.
De
acordo com a documentação disponível – que é inexistente para alguns períodos –
entre 1755 e 1820, (funcionamento da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e
Maranhão), a região amazônica recebeu mais de 50 mil escravos (SALLES, 1971,
p.51).
Antes
dos portugueses, já os ingleses no século XVI haviam introduzido mão-de-obra
escrava em suas feitorias no Macapá. No século XVII é porta de entrada dos
negros africanos era o Maranhão, o que foi motivo de conflitos entre esse
estado e o Pará, já que o Maranhão fazia uma partilha desigual dos negros, que
primeiro lá desembarcavam (SALLES, 1971).
A
entrada de escravos no Grão-Pará sempre foi modesta. A criação da Companhia significou
um impulso no comércio escravo. Porém não se restringiu ao período em que ela funcionou,
assim como antes já havia a escravidão, com o seu fechamento o comércio escravo
também continuou, haja vista as muitas vias de entrada de escravos africanos na
região.
Parte
desse contingente de escravos era encaminhado para a “Ilha Grande de Joanes”,
como foi batizada pelo colonizador a atual Ilha do Marajó, como consta em cópia
de documento fornecido por Raimundo Carmo de Souza Chagas, conhecido por Piska,
Secretário de turismo esporte e lazer de Afuá, intitulado “A cidade de Afuá”,
que faz referência ao “folheto: A Antiga produção e exportação do Pará”, de
autoria de Manuel Barata. Este documento informa que em 1665 a Ilha Grande de
Joanes “foi criada capitania e concedida em donatário de juro e herdade pelo
rei Dn. Alfonso ao seu secretário de Estado, Antônio de Sousa Macêdo, por carta
de doação de 23 de dezembro de 1665 (Arquivo da Torre do Tombo, ‘Chancelaria’,
doações de Dn. Afonso VI., f. 74 v. O donatário tomou posse dela por seu
procurador, em 2 de setembro de 1667”. Mais tarde Antônio Macêdo foi titulado
“Barão da Ilha de Joanes”.
Porém,
existe a suposição que já em 1498 um navegador português Duarte Pacheco Pereira
havia feito contato com os habitantes da ilha (Nheengaíbas e Aruãs), e em 1499,
consta o relato do espanhol que navegou o Amazonas Francisco Yañes Pinzon.
O
fato é que a presença negra na Ilha do Marajó acompanha a conquista do
colonizador, que por sua vez é protagonista de uma história de devastação das
populações indígenas que por lá viviam, seja pelas doenças trazidas com o homem
branco, seja pela escravidão a que foram submetidos ou pela guerra pelo
território.
Na
história conta que em 1659 o Padre Antonio Viera negociou um acordo de paz com
as lideranças indígenas da ilha, porém esse acordo não foi respeitado pelos
colonizadores e a escravidão do indígena continuou maciçamente.
Já
em 1703 teve início a criação de gado, que mais tarde ganhará grandes
proporções (Souza, 2007).
A
criação de gado foi introduzida na área de campos (a ilha pode
ser dividida entre duas regiões: campos e de florestas), e conforme Pacheco, na
historiografia sobre o Pará, os campos são descritos como sendo habitados por
negros, e as florestas pelos indígenas. Porém, para entender a distribuição do
contingente de negros pela ilha essa visão é limitadora, pois não da conta dos
processos de mobilidade interna e externa, tantos dos habitantes da ilha, quanto
de outras cidades, como Macapá, Belém e até mesmo a Guiana Francesa. Além do
que é necessário considerar as fugas dos escravos negros e a formação de
quilombos entre os séculos XVII e XIX para compreender (Pacheco, 2010,
p.39-40).
Essa
visão que localiza a presença negra na Ilha na região dos campos pode advir da
divisão social do trabalho, que apesar de negros e indígenas serem destinados a
todos os tipos de atividades, era mais recorrente o escravo negro ser posto na
lida com o gado no campo, enquanto o escravo indígena era direcionado para a
agricultura[1].
Sobre
os estudos da presença negra na Ilha de Marajó, após Nunes Pereira (primeiro
etnólogo a se dedicar sobre o tema) surgiram novas pesquisas, muitas tendo como
objetivo “a busca de elementos configuradores de povos africanos em diásporas:
falares, dançares, performances, cantorias, crenças, religiosidades, saberes e
costumes, têm emergido em grandes expressões e mesclas culturais” (Pacheco,
2010).
Ao
citar os relatos históricos sobre a presença negra na Ilha no século XVII,
Pacheco afirma que em localidades como Breves, Anajás e Afuá, entre outras,
diferentemente do que divulgado pela historiografia, são áreas de “mestiçagem e
recorrentes contatos culturais”, com a presença de “vilas de populações de
cor”, a comunidade remanescente de Gurupá (Anajás), ou as “famílias negras
habitantes de espaços urbanos e rurais nestes municípios de florestas”.
(Pacheco, 2004, p. 41).
O
quadro abaixo procura ilustrar essa presença negra na ilha com dados do ano de
1823:
Município
|
Habitantes
|
Escravos
|
Livres
não-identificados
|
Brancos
|
% de escravos
|
Muaná
|
3.524
|
503
|
3021
|
-
|
14,27
|
Cachoeira do Arari
|
3.463
|
531
|
2902
|
130
|
15,33
|
Chaves
|
1.853
|
447
|
1362
|
44
|
24,12
|
Salvaterra
|
497
|
31
|
296 índios
124 mestiços
|
46
|
6,23
|
Soure
|
366
|
155
|
44 índios
141 mestiços
|
26
|
42,60
|
Melgaço
|
5.719
|
1.140
|
1.440 índios
2.118 mestiços
|
1.021
|
19,93
|
Breves
|
227
|
80
|
147
|
-
|
35,24
|
Monsarás
|
857
|
249
|
190 índios
130 mestiços
200
não identificados
|
88
|
29,05
|
Quadro
2: Adaptado a partir de dados apresentados no artigo de Agenor Sarraf Pacheco
“As Áfricas nos Marajós: visões, fugas e redes de contatos”.
|
Note-se
que Monsarás foi um município até 1894, que hoje é um distrito de Salvaterra,
local de maior concentração de remanescentes de quilombo na Ilha do Marajó, e o
que hoje se denomina remanescente de quilombo, não necessariamente é o antigo
quilombo dos tempos coloniais, no meio da floresta, mas pode se tratar de um
local próximo ao antigo quilombo, ou uma formação posterior a supressão da
escravatura.
Desde
o início da mão-de-obra escrava as fugas faziam parte do cotidiano em todas as
partes onde houve escravidão. No Pará a partir da primeira metade do século XIX
com a inauguração da imprensa paraense, as fugas de escravos são divulgadas por
anúncios mandados publicar pelos senhores descrevendo o “fujão”. Outra fonte de
informação sobre esse ato de rebeldia está relacionada em relatórios e diversas
leis e decretos com medidas para conter a fuga ou para desbaratar mocambos e
quilombos, comuns desde o século XVIII.
A
rota de fuga dos negros e índios tomava muitas direções, tendo a floresta, mas
não só, como um refúgio quase que natural por sua densa camuflagem. Também os
furos e igarapés e a sazonalidade de cheias e vazantes dificultavam o acesso
das milícias e capitães do mato. Como em relatório de 1858 descrevendo a
situação e as medidas para desbaratar, entre outros, o quilombo nas cabeceiras
do rio Anajás em Muaná (Salles, 1971, p. 216).
Vários
historiadores citam o documento oficial pedindo providencia em 1787 quando a
esse quilombo de Anajás e de outros no rio Macacos, no atual município de
Breves e também no município de Chaves. Já no Soure a rota de fuga era o rio
Arauari, eu contava com diversos mocambos compostos por negros, índios e
soldados desertores (Pacheco, 2010, p.55), somente para citar os municípios
foco dessa expedição de diagnóstico.
A
fuga extrapolava os limites da ilha, tanto para os escravos de Marajó que
podiam fugir para outro estado, sobretudo Macapá, quanto para escravos de
outros estados que procuravam refúgio na ilha e em outras localidades do Pará,
que provocou grande movimentação de negros na região.
Também
deve ser observada a recorrente presença indígena ao lado de negros nos
mocambos e quilombos, dois grupos explorados, que se encontrava em uma mesma
situação de servidão em busca da liberdade. Essa relação influenciou
profundamente a cultura do povo marajoara: “em torno de saberes para curar a si
mesmo e ao gado, como murrinhas dos bezerros, Nunes Pereira deixou ver, ‘rezas
e ervas miraculosas que o índio revelava ao negro. Compartilhavam ainda fumos,
bebidas produzidas de mandioca, altamente fermentada, que resguardavam valores,
significações sociais e mágico-religiosas” (Pacheco, 2010, p. 50 apud Pereira,
1952)
Sobre
essas trocas um exemplo é a pajelança cabocla que possui “uma visão de mundo em
que se mesclam concepções de fundo indígena (especialmente dos antigos
Tupinambás), católicas, kardecistas e umbandistas” (Maués, 2008).
Sobre
as trocas culturais o padre jesuíta João Daniel relata que quando fizeram
contato com os índios pacajás, esses, diferentemente dos os grupos entrados no
Brasil, usavam saias e calções, não por ser um costume ancestral, “mas porque fugindo do Maranhão, uns
escravos, foram parar nas cabeceiras deste rio Pacajá, e deles aprenderam os
índios este bom costume” (Pacheco, 2004, p. 41 apud Daniel, 2004, p. 372).
Além
do tráfico de escravos e das consequentes fugas, outro fator que contribuiu para
a movimentação dos negros e formação de quilombos e mocambos na ilha foi a
Cabanagem, revolta popular que aconteceu entre os anos de 1835-1840 e
repercutiu amplamente no estado do Pará, sobretudo na ilha de Marajó, onde
estava um importante foco da revolta.
De
acordo com Salles (1971, p.260), a Cabanagem foi um movimento representativo da
“última etapa de um processo revolucionário que se iniciou antes – bem antes – da Independência (a adesão do Pará à
Independência ocorreu a 15 de agosto de 1823) e explodiu doze anos depois, em
1835”.
Negros
e indígenas juntaram-se aos desertores do exército vislumbrando na revolta
popular uma possibilidade de liberdade. A participação efetiva do negro é
levantada por Salles que pesquisou a documentação da época, e afirma que a
revolta começou nas zonas de plantação de cana, locais de maior tensão social,
incluindo a região de Muaná e daí estendendo-se por todo o arquipélago do
Marajó. De fato, hoje, conversando com
os moradores mais velhos de Marajó, muitos fazem referências aos “antigos
cabanos”, do terror que fazia com que as pessoas fugissem pra dentro das matas.
Ainda,
segundo Salles, essa participação dos negros na cabanagem preocupou as
autoridades que baixaram medidas proibindo o “ajuntamento de escravos possuídos
de idéias partidárias”, e mesmo entre os próprios líderes cabanos que não
estavam de acordo com os ideais abolicionistas, como Eduardo Angelim que mandou
“fuzilar dois dos principais líderes dos escravos: Joaquim Antônio e Patriota”
e ao final Cabanagem, os negros em busca da liberdade multiplicaram o número de
quilombos e mocambos na Amazônia (Salles, 1971, p.266-71).
Toda
essa movimentação de negros durante o período da escravidão na Ilha do Marajó
hoje é representada pela existência de várias comunidades remanescentes de
quilombos ou inúmeras famílias isoladas e afrodescendentes compondo a população
marajoara.
Em
nossa expedição identificamos algumas famílias e membros de comunidades
remanescentes de quilombo. No município de Chaves, de acordo com o secretário
da administração municipal, Ademir Gemaque, existem pelo menos duas comunidades
remanescentes, porém ainda não foram tituladas: comunidade Nascimento e
comunidade do Cururu.
Já no município de
Anajás conhecemos a comunidade do Igarapé do Peixe Boi (Coord. UTM 0661590/9888392),
que faz divisa com o município de Muaná, onde há um grande contingente de
afrodescendentes e de acordo com o chefe de Gabinete da Prefeitura Marcus
Jardim, a comunidade recebe uma verba do MEC (Ministério da Educação e
Cultura), por ser tratar de comunidade remanescente de quilombo, mesmo ainda não
reconhecida pelo INCRA. Também em Anajás, outra comunidade chamada Mocambo do
Guajará, como o nome já indica, seria uma comunidade remanescente que também
não foi ainda reconhecida. Outra comunidade citado por Marcus Jardim como
possível remanescente chama-se Barro Preto, localizado no Alto Anajás. Na
comunidade Cá-te-espera, um afrodescendente, o Sr. José Ladeira, 74 anos, filho
de português, disse que nasceu no Igarapé do Jataí, e conta que lá haviam
muitos negros fugidos da escravidão, informação confirmada pelo Sr. Melquiades,
também nascido em Jataí. (Imagens 1).
Imagem
1: José Ladeira e Raimundo
|
Também nessa região, na
comunidade Monte Sinai, Dona Doralina Fiúza da Silva, 56, que é afrodescendente
conta que nasceu no Igarapé Chiqueiro, e que seus pais e bisavós também
nasceram na região. Uma das moradoras mais idosas de Monte Sinai é Dona
Erendina, que tem mais de 90 anos, nasceu em Muaná e conta que o pai morreu com
117 anos (Imagens 2 e 3). Nessa comunidade fomos informados que na boca do Pequaquara
existem muitos negros, que comprovamos no dia seguinte quanto navegamos por
esse rio.
|
|
Imagem 2: Dona Doralina Fiúza
|
Imagem 3: Dona Erendina Figueiredo da
Silva
|
Em Anajás, próximo a comunidade , também visitamos uma família de afrodescendentes,
cuja matriarca, Dona Margarida (Imagem 4), conta que nasceu em Cachoeira do
Arari e veio pra cá a mais de 30 anos com os filhos pequenos e o marido Manoel
Lalú do Nascimento, há 13 anos. Ela e os filhos são proprietários de uma
extensa faixa de terra chamada propriedade São Vicente.
Depois
seguimos para a região do Aterro Grande, conhecido por seus tesos, local onde
mora um dos filhos de Dona Margarida, o Sr. Manoel Gomes do Nascimento, 58
(Imagem 5). Ele vive no Igarapé Pequaquara, na margem direita do rio Anajás. É
um local de difícil acesso e nessa época normalmente só chegamos caminhando
pelo meio da mata, porém a chuva dos últimos dias possibilitou que depois de 2
horas levados por um rabudo (embarcação própria navegar em rios estreitos e
repletos de plantas aquáticas) alcançássemos a casa de Manoel navegando pelo
esplêndido rio Pequaquara.
Sr.
Manoel contou que seu avô que chamava Manoel Gomes de Araújo morreu com 94 anos
dizia que a mãe dele havia sido escrava. Disse também que no município de Cachoeira
do Arari, local onde ele e seus pais nasceram, há um grande número de
afrodescendentes. Mais tarde pudemos confirmar essa informação por meio de
conversa com a professora Rosa Acevedo, que fez o Laudo Antropológico dos
remanescentes de quilombo dos municípios de Salvaterra e Cachoeira do Arari.
Segundo
Manoel em Cachoeira tem uma localidade chamada Choque, que tem esse nome porque
antigamente existia muito puraque (peixe-elétrico), e que tem muitos negros que
vivem lá. Além de Cachoeira, ele diz que Santa Cruz do Arari e Ponta de Pedra
também são municípios onde tem maior concentração de negros.
|
|
Imagem 4: Dona Margarida (camisa Rosa)
sua filha Madalena (camisa verde) suas netas e bisnetos
|
Imagem 5: Sr. Manoel, a esposa e a
neta
|
No
município de Salvaterra encontramos a maior concentração de comunidades de
afrodescendentes do arquipélago. Inclusive há no município um movimento
organizado, representado pela Malungu (Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes
de Quilombos do Pará). Nessa oportunidade pudemos conversar com
Luzia Betânia, a Beth Quilombola que faz parte da coordenação estadual da
Malungu.
Segundo
Beth as comunidades com as quais a Malungu fez contato são as seguintes:
Município
|
Comunidade
|
PONTA DE
PEDRAS
|
Tartarugueiro
|
Santa Ana
|
|
CACHOEIRA DO
ARARI
|
Gurupá
(certificada)
|
SALVATERRA
(Ramal 1)
|
Caldeirão
|
Boa Vista
|
|
Paixão
|
|
Rosário
|
|
Vila União
(Campinas)
|
|
Rosário
|
|
Siricari
|
|
Deus Ajude
|
|
Providência
|
|
Salvá
|
|
Mangueiras
|
|
Salvaterra
(Ramal 2)
|
Pau Furado
|
São Benedito
|
|
Santa Luzia
|
|
Bairro Alto
|
|
Quadro 1: Relação das atuais
comunidades remanescentes de quilombo de Salvaterra de acordo com Beth da
Malungu;
|
Os
quilombolas de Salvaterra estão organizados procurando a regularização de suas
terras, porém até o momento apenas uma comunidade é certificada que é Gurupá,
região citada como escolhida pelos escravos fugitivos de Soure para formação de
mocambos e quilombos (Pacheco, 2010, p.54).
A
questão da titulação das terras é a maior preocupação das comunidades dado os
conflitos com os fazendeiros da região, que segundo a liderança vem
historicamente invadindo a área ocupada pelos remanescentes, provocando muitos
problemas para as famílias, que muitas vezes são impedidas de plantarem suas
roças, são cercados por cercas elétricas e muitas vezes têm suas plantações
destruídas pelos búfalos dos fazendeiros. A proibição de circular impossibilita
a comunicação entre os povoados que são interligados.
Além
de impedir a comunicação entre os remanescentes pela proibição de circulação,
muitas vezes o quilombola vê sua sobrevivência ameaçada, já que além da
agricultura, as comunidades têm uma economia fundada na a pesca e na coleta, ou
seja, a terra é fundamental para a sua subsistência.
Porém
as comunidades seguem lutando por seus direitos, realizando oficinas de
conscientização e mobilização, solicitam audiências públicas e em 2006 foi
publicada a cartilha “Quilombolas da ilha de Marajó – Pará”, desenvolvida no
âmbito do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, que tem por objetivo elaborar
o auto-mapeamento de comunidades tradicionais da Amazônia e foi elaborado em
conjunto com a comunidade de Salvaterra, segue abaixo o mapa do território
quilombola de Salvaterra:
|
Mapa
1: Território Quilombola.
Fonte:
Projeto Nova cartografia social da Amazônia; Série: Movimentos sociais,
identidade coletiva e conflitos; Fascículo 7: Quilombos da ilha de Marajó –
Pará; 2006
|
Analisando esse mapa verificamos que o traçado proposto para a Linha de Transmissão de Energia Elétrica percorrera a área do Território Quilombola, e como alertado pela Beth da Malungu, é possível que sejam atingidas áreas de cultivo, que são fonte de subsistência dessas comunidades remanescentes de quilombo.
Dessa
forma, levando-se em consideração a grande distribuição de afrodescendentes
pela ilha do Marajó, e a pouca informação que se tem sobre as comunidades
remanescentes, sugerimos que um estudo mais detalhado seja realizado, para
garantir a preservação de remanescentes de quilombo que consistem em importante
patrimônio histórico cultural brasileiro, bem como garantir que a implantação
da Linha de Transmissão não ameace sua existência.
b)
A
arqueologia da diáspora africana e a cultura material marajoara
As
pesquisas arqueológicas que enfocam a presença africana partindo da perspectiva
dos estudos da diáspora são
relativamente recentes no Brasil.
Os
estudos da diáspora basicamente estão
fundamentados na ideologia de que africanos e seus descendentes que se
espalharam por todo o mundo durante o período em que perdurou o tráfico de
escravos negros, sobretudo no continente americano, compartilham de elementos
comuns, que podem ser observados na pratica cotidiana, e que foram transmitidos
oralmente de geração para geração.
Os
primeiros teóricos da diáspora africana eram afro-americanos, sendo W.E.B.
DuBois considerado o Fundador desses estudos com a publicação de The Supression of the Slave Trade to the
United States, já em 1896 (Heywood, 2008).
Já
na arqueologia as pesquisas da cultura material de influência africana no Brasil,
tendo como base a perspectiva dos estudos
da diáspora são relativamente recentes, e igualmente tem sua origem nos
Estados Unidos, onde os primeiros estudos datam da década de 1960, ganhando
impulso na década de 1990, com o advento da Arqueologia Pós-processualista.
A
Arqueologia pode oferecer novos dados sobre a presença africana no Brasil e
seus desdobramentos na formação cultural do povo brasileiro, haja vista que
além de apoiar-se em documentação histórica (muitas vezes poucos esclarecedores
sobre aspectos culturais desses povos africanos), trabalha com o registro
material dessa presença.
Além
da produção material do passado, a produção material do presente e a relação que
os grupos humanos estabelecem com o meio, são elementos para a interpretação arqueológica.
Uma investigação de cunho etnoarqueológico que contemplasse populações
pretéritas a fim de compreender como negros, indígenas e brancos cunharam um modo
de vida diferenciado nos campos e florestas do arquipélago, será necessário
para qualquer plano que tenha por objetivo conter, contornar ou amenizar o impacto
ambiental provocado pela implantação da Linha de Transmissão de Energia.
Um
estudo mais aprofundado da arqueologia da Ilha de Marajó, que abranja, além do
seu potencial pré-histórico que desde a década 1950 tem recebido a atenção dos
arqueólogos, também abranja seu potencial histórico, ajudaria a responder
algumas perguntas como: a produção material ribeirinha foi de alguma maneira
afetada pela abundante cerâmica pretérita espalhada por toda região? De que
forma os africanos e seus descendentes influenciaram e/ou foram influenciados
por essa cultura pretérita e pela produção material e modo de vida dos
indígenas que habitavam a ilha?
Dessa
forma, apresentamos um pequeno relato sobre tal produção material.
Além
do extrativismo e da pesca há em toda ilha a produção de farinha de mandioca em
suas variadas versões. Em Afuá, navegando pelo rio Araramã, após ter visitado a
Vila Tessalônica (Imagem 6), comunidade ribeirinha construída em cima de um cemitério
indígena, na qual ainda é possível avistar o material arqueológico (Imagem)
aflorando nas margens que estão desbarrancando, também está à casa de farinha
da Dona Dalila Lima dos Santos que fica na comunidade São Pedro (Imagens 7-10).
|
|
Imagem
6: Vila Tessalônica
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Imagens
7-10: Casa de farinha; forno para torrar a farinha, prensa de mandioca e
peneira;
|
Na
casa de farinha de Dona Dalila havia um forno pra torrar mandioca feito de cobre
com aproximadamente 2,5m de diâmetro, que segundo ela, seu marido havia
adquirido a mais de 30 anos, das mãos de um senhor que já não era seu primeiro
dono. Além do forno, havia a prensa de mandioca fabricada com troncos de árvore
e as peneiras de farinhas feitas por Dona Dalila.
No
igarapé Saparará, onde existe um importante sítio cerâmico da fase marajoara
(SCHANN, 2003), como atesta o senhor Bena, dono da propriedade onde foram
feitos estudos arqueológicos, encontramos várias mulheres que se dedicavam a
fabricação de farinhas, entre elas as irmãs do Sr. Bena, Dona Adelina e Maria
da Graça, porém não tivemos oportunidade de conhecer a caça de farinha, pois a
chuva pontual da Amazônia nos fez adaptar o percurso.
Na
casa de Maria da Graça, que tem um pote cerâmico incrustado em seu jardim,
também registramos muitos utensílios feitos por elas, como o fogão de barro,
vários itens de cestaria, inclusive as peneiras de farinha (Imagens 12-15).
|
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|
|
Imagem
12-15: As irmãs Adelina e Maria da Graça da esquerda para a direita; o fogão
de barro de Maria da Graça; a cestaria variada e peneiras e vassoura de
palha.
|
Em
Afuá conhecemos a ceramista dona Algemira (Imagem 16-17), disse que nasceu nas
proximidades do rio Araramã, e que aprendeu a fazer a cerâmica com sua mãe.
Dona Algemira que tem mais de 60 anos, disse que não faz mais cerâmica por
problemas de saúde; nas fotos abaixo ela demonstra como é feita a
impermeabilização:
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Imagem
16-17: Dona Algemira e sua cerâmica
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Na
boca do rio Cururu em Anajás conhecemos Dona Luzia, outra ceramista que também
já não se dedica mais ao ofício. Ela também utilizava o mesmo processo de
impermeabilização usando a resina da árvore chamada “jataicica”.
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Imagem
18-19: Dona Algemira e sua cerâmica
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Em
Chaves, no Igarapé Bacuri, encontramos mais uma ceramista, a Dona Domingas que
tem 82 anos, mas deixou de fabricar cerâmica há muitos anos atrás. Segundo ela
havia mais duas ceramistas na comunidade que também pararam de fabricar
cerâmicas há muitos anos.
O
entendimento da produção material marajoara proporcionará maiores informações
sobre a diáspora negra na ilha, o modo de vida dos ribeirinhos, suas formas de
subsistência e também poderá ajudar a entender se as populações do passado, por
meio dos artefatos cerâmicos abundantes na ilha influenciaram de alguma maneira
a produção material dos marajoaras do presente.
SEGUNDA
PARTE – Municípios visitados
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Mapa
2: Expedição de Diagnóstico – Ilha do Marajó
Ponto
1 - Furo do Lípio (entrada da comunidade de Araramã) - UTM 573424 / 9961894
Ponto
2 - Rio Araramã ou rio Chaparucú - UTM 577774 / 9965076
Ponto
3 - Comunidade Tessalônica - UTM 580979 / 9960804
Ponto
4 - Produção de palmito - UTM 577810 / 9964818
Ponto
5 – Cemitério - UTM 575390 / 9963402
Ponto
6 - Dona Algemira (ceramista) - UTM 567307 / 9969800
Ponto
7- Porto de Afuá - UTM 567520 / 9982548
Ponto
8 - São Joaquim - divisa entre Afuá e Chaves - UTM 594226 / 9985374
Ponto
9 - Porto de Chaves - UTM 631037 / 9978188
Ponto
10 - Retiro Menino de Deus (Chaves – Bacuri) - UTM 630249 / 9977152
Ponto
11 - Sítio arq. Menino de Deus (Chaves – Bacuri) - UTM 630278 / 9977164
Ponto
12 - Sítio arq. Árvore caída (Chaves – Bacuri) - UTM 630820 / 9977550
Ponto
13 - Entrada da comunidade São José Charapucú - UTM 590239 / 9976656
Ponto
14 - Sitio da comunidade Bacuri (sítio do riacho) - UTM 591538 / 9977922
Ponto
15 - Parada no rio Sutambique (foto 4 mulheres e 3 criancinhas)- UTM 582007 /
9943278
Ponto
16 - Rio Sutambique - UTM 585144 / 9934046
Ponto
17 - Boca do rio Cururu – comunidade Galiléia -UTM 594690 / 9926356
Ponto
18 - Comunidade Cá-te-espera - UTM 638923 / 9890754
Ponto
19 - Igarapé Saparará - UTM 654105 / 9878096
Ponto
20 - Casa Sr. Miguel dos Reis (afrodescendente de Guajará) - UTM 646786 /
9882822
Ponto
21 - Casa Sr. Manuel (rio Pequaquara – Aterro Grande) - UTM 660665 / 9900418
Ponto
22 - Comunidade Monte Sinai (Peixe Boi) - UTM 661590 / 9888392
Ponto
23 – Salvaterra - UTM 776958 / 9916406
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Afuá
O primeiro município do
arquipélago visitado nesta expedição foi Afuá, na porção norte - ocidental da
Ilha de Marajó, banhado pela baía do Viera Grande, no braço sul do rio
Amazonas. Faz limite “ao
norte com a Ilha Caviana, ao nordeste com o município de Chaves, ao sul com os
municípios de Anajás e Breves, ao sudeste com o município de Anajás, ao
sudoeste com os municípios de Breves e Gurupá leste com o município de Chaves e
a oeste e noroeste com o Estado do Amapá. Coordenadas geográficas 00º 09’ 04”
de Latitude Sul e 50º 23’ 15” de Longitude Oeste de Gr.”[2].
O município tem uma população de 32.633 habitantes[3] de acordo com os números do IBGE.
O município tem uma população de 32.633 habitantes[3] de acordo com os números do IBGE.
Também
de acordo com as informações do documento (ANEXO) fornecido pelo secretário de
Esporte Cultura e Lazer do Município de Afuá, Raimundo Carlos de Souza Chagas,
o Piska, o município de Afuá, segundo consta no “folheto” intitulado “A antiga
produção e exploração do Pará”, de autoria de Manuel Barata, Afuá teria se
originado a partir da fixação na região da Sra. Micaela Arcanjo Ferreira,
“antes de 1845”. As terras das quais a Sra. Micaela se apossou passaram a
chamar sítio Santo Antonio.
Imagem 20:
Vista aérea da cidade de Afuá. Fonte: prefeitura de Afuá
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Por
sua localização estratégica para porto, logo se formou um povoado em torno da
Igreja Nossa Senhora da Conceição (Imagem 21), que começou a ser construída em
1870, que quatro anos mais tarde foi elevada a condição de freguesia.
Ainda
de acordo com o documento de Manuel Barata, em 28 de novembro de 1980 foi
criada a comarca de Afuá, e em 1896 ela passou a ser cidade e mais tarde
município.
Foto: fornecida pelo secretário Piska
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Foto: Paty Marinho (set/2010)
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Imagem
21: Igreja Nossa Senhora da Conceição: passado e presente.
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Afuá:
patrimônios natural, cultural e histórico
O
município está a cinco horas de barco da cidade de Macapá, no Amapá, com a qual
mantém intensas relações econômicas e sociais. Sobretudo durante o mês de julho
quando acontece o “Festival do Camarão” (Imagens 21-24) , quando além de
visitantes de Macapá, paraenses de outras localidades vem se divertir com essa
festa tradicional de Afuá, que caminha para sua 29ª. edição.
Durante
os três dias de Festival, Afuá chega a receber mais de 30 mil pessoas,
caracterizando o maior ingresso de divisas advindo do turismo, para essa que é
divulgada por seus moradores como a “Veneza Marajoara”, já que está suspensa
sob o arquipélago do Marajó. Assim, caminhando pelas passarelas de concreto, ou
de madeira (que são seu charme) o visitante pode apreciar a arquitetura das
casas, construídas quase todas de madeira e sob palafitas, pois no período das
chuvas (janeiro a junho) os igarapés enchem d’água (Imagens 29-30),
caracterizando o clima típico do bioma amazônico, com uma estação chuvosa, o
inverso que vai de janeiro a junho, e o inverno, que é a estação seca, que se
estende pelos meses de julho até dezembro.
Foto: Paty
Marinho (set/2010)
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Imagens 25-28: Afuá
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Imagens 29-30: Afuá na época das
chuvas
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Em
Afuá não transitam automóveis ou motos, apenas bicicletas e demais veículos
não-motorizados como as Bici-táxi (Imagens 31-32), invenção de um morador da
cidade, o Seu Sarito, que consiste em duas bicicletas adaptadas que permitem o
transporte de quatro pessoas ou mais.
Imagens 31-32: O Bici-táxi além de
ecológico é símbolo da cultura afuense
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Afuá
é marcada pela sazonalidade, pois além desse alagamento anual, a cada quatro
anos, religiosamente, a cidade é atingida por uma enchente (Imagens 33-34):
Imagem 33-34: Afuá alagada
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O
centro de Afuá constitui-se em um belíssimo patrimônio cultural paisagístico. A
cidade suspensa por palafitas, bastante bem conservada é exposição do
conhecimento regional de excelentes carpinteiros, cuja técnica no uso da
madeira na arquitetura, pode ser admirada num passeio pelas ruas do município
(Imagens 35-38).
A “Veneza Marajoara” não se resume no colorido centro da cidade. Navegando pelos rios, igarapés e furos temos acesso às muitas comunidades ribeirinhas espalhadas por todo o município. No trajeto é possível ver pequenas comunidades à margem dos rios, como também casas isoladas que vão compondo um cenário impressionantemente belo (Imagens 39-42).
Afuá
também tem diversas ilhas de exuberante beleza natural como a ilha da Queimada,
dos Porcos, Caldeira e a ilha dos Camaleões na onde se desenvolve o projeto
“Quelônios da Amazônia, desenvolvido pelo IBAMA, que visa à reprodução de
tartarugas e tracajás
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Imagens 43-44: Tartaruga e tracajás – Projeto
Quelônios
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Chaves
Onde hoje é o
município de Chaves já foi uma aldeia de índios Aruãs, e segundo conta o
Secretário da Administração Municipal Ademir Gemaque Pinho, até pouco tempo
atrás era possível encontrar fragmentos cerâmicos dos antigos habitantes da
região, porém com o avanço das águas da baía do Viera Grande, que arrastou boa
parte da terra firme, já não são mais encontrados com tanta facilidade.
Os Capuchos da
Província de Santo Antônio fundaram uma missão para catequizar os aruãs e em
1757 o aldeamento foi elevado à categoria de Vila, tornando-se o um centro
militar até final do século XVIII. Esse caráter militar da Vila levou a um fato
importante em sua história foi um “ato de adesão”, quando da proclamação da
República por D. Pedro I.[4]
No ano de 1889 foi
criada a comarca de Chaves e depois de dois anos foi elevada a categoria de
cidade.
Chaves
patrimônios natural, cultural e histórico
O passado militar de
Chaves abre as portas da cidade. Assim que se cruza um lindo e extenso trapiche
branco e vermelho ao desembarcar em águas atlânticas é possível avistar os
canhões bem em frente a um dos bem conservados prédios públicos (Imagens 45-48).
Imagens
45-48: Município de Chaves
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As ilhas Caviana e
Mexiana pertencem ao município de Chaves, e constituem-se num belo patrimônio
natural do município. É nessa região das ilhas que se dá o encontro das águas
do Atlântico com o Amazonas, fenômeno conhecido por “pororoca”.
Ao navegar pela Baía do
Vieira Grande de um lado temos as ilhas do outro uma exuberante e longa praia
(Imagens 49-51).
Ilha Mexiana
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Praia de Chaves
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Imagens 49-51: Município de Chaves
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Anajás
Anajás recebeu
esse nome, pois de acordo com os registros do IBGE no período colonial viviam
no oeste da ilha o grupo indígena que deu o nome ao município, que nos
primórdios era chamada Mocoões, nome de um rio da região.
A história
administrativa de Anajás e extensa, talvez por sua posição central pertenceu
ora a um município, ora a outro. Primeiramente fazia parte do município de
Chaves, e depois de Breves, até o ano de 1869, quando se tornou freguesia,e
também por várias vezes deixou de sê-lo. Em 1886 foi criado o município de
Anajás.
Anajás:
patrimônios natural, cultural e histórico
De
patrimônio histórico, só mesmo restou às fotos, de acordo com o chefe de Gabinete
da Prefeitura de Anajás, Marcus Jardim, na década passada todos os prédios
antigos foram tombados, dando lugar a novos prédios que abrigam os órgãos
públicos (Imagens 52-54).
Imagem
da antiga igreja de Anajás. Atualmente a igreja passa por uma nova reforma.
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Imagens:
52-54: Prédios que foram destruídos na década passada.
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O município que perdeu
do muito do seu patrimônio histórico arquitetônico, tem um patrimônio natural
exuberante. Em nossa expedição só pudemos registrar uma pequena parcela desse
patrimônio. Abaixo algumas imagens feitas nos rios e igarapés:
Breves
“A capital das ilhas”,
assim é conhecido o município de Breves, o maior e mais populoso da Ilha do
Marajó.
Conforme divulgado na
página oficial do município na Internet[5],
a cidade se originou de uma concessão feitas aos irmãos portugueses “Manuel
Breves Fernandes e Angelo Fernandes Breves” no ano de 1738. A família Breves
construiu o engenho chamado Santana e consolidando o patrimônio da família.
Após a morte de Manuel
e Angelo, não foi reconhecida a posse das terras a irmã herdeira e em 1850 a
localidade foi elevada a condição de Freguesia. Após esse episódio, a história
de Breves é marcada por resoluções e leis que alternaram sua denominação
territorial, para em 1909 “a Lei estadual no. 1.122 concedeu em caráter
definitivo o foro de cidade à sede municipal, Atualmente o município é
constituído pela sede municipal e os distritos de: Antônio Lemos, Cururu e São
Miguel dos Macacos”.
Breves:
patrimônios natural, cultural e histórico
Breves é a maior cidade
da Ilha, o centro urbano é bastante desenvolvido graças ao “investimento gerado
pelas madeireiras”. Logo na chegada da cidade, ainda no barco podemos observar
o movimento de pessoas e mercadorias. Breves é uma das principais ligações
entre Belém e outros municípios da ilha, redistribuindo a mercadoria que vem da
capital, e também a que sai da ilha (Imagens 59-60)
Os prédios públicos são
bem conservados (Imagens 60-61) e ainda existem muitos prédios antigos como
aponta a professora Dione (2009), “o
primeiro Mercado Municipal de Breves funcionava no prédio onde atualmente
funciona o Banpará”.
Os rios Parauahu e
Mapuá, o furo dos Macacos e também os estreitos de Breves, além das diversas
ilhas são considerados patrimônio natural devido à beleza paisagística.
Salvaterra
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Imagens
59-60: Porto de Breves
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Imagens
61-62: Igreja (construída em 1942)
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Imagens
63-64: Prédio da prefeitura
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Famosa por suas praias
de água doce Salvaterra é ao lado de Soure o município mais turístico da Ilha. Habitada pelos índios sacacas
foi onde aportou o navegador português aportou
Vicente Yañez Pinzon.
“Em
1757, o Governador e Capitão-General Francisco Xavier de Mendonça Furtado,
elevou à categoria de Vila, com a denominação de Soure, uma antiga aldeia dos
índios Maruanazes. Nas sessões de maio 1833, do Conselho do Governo da
Província, extinguiu o território de Soure, que foi anexado ao da vila de
Monsarás, tendo este sua autonomia municipal novamente estabelecida pela Lei nº
138, de 9 de novembro de 1847. Com a extinção do município de Monsarás pela Lei
nº 652, de 12 de junho de 1894, o território de Soure foi aumentado com grande
parte daquele Município. Salvaterra era um povoado de Soure e foi elevado à
vila através da Lei nº 758, de 27 de fevereiro de 1901 e instalado por Decreto
nº 993, de 9 de abril do mês seguinte. Porém, na divisão territorial fixada
pelo Decreto-Lei nº 4.505, de 30 de dezembro de 1943, estabelecida para o
período 1944-48, Salvaterra já aparece como distrito de Soure. Durante muitos
anos, Salvaterra permaneceu incorporado ao território de Soure. Em 29 de
dezembro de 1961, através da Lei nº 2.460, esse município foi criado com área
desmembrada de Soure, durante o governo de Aurélio do Carmo. O seu território
constituiu-se pelas terras dos distritos de Salvaterra (sede), Condeixa,
Joanes, Jubim e Monsarás, que permanecem até hoje”
Salvaterra:
patrimônios natural, cultural e histórico
Salvaterra foi um
município colonizado pelos frades, quando a sede do município era em
Monsarás. A localidade foi a porta de
entrada dos portugueses na ilha, que como citamos acima no documento fornecido
pelo secretário Piska chamava-se Ilha Grande de Joanes. Hoje Joanes é uma
localidade de Salvaterra onde está a Igreja Nossa Senhora do Rosário, a
padroeira da Ilha do Marajó. É possível observar nas paredes as pedras que
foram usadas na construção da primeira igreja no século XVII (Imagem 65-66).
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Imagens
65-66: Igreja Nossa Senhora do Rosário
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Também em Monsarás é
possível ver entre as pedras de praia, – um espécie de muro de contensão – o
que deveria ter sido um túnel no passado. Os moradores da cidade costumam dizer
que era uma rota de fuga em caso de atraque de estrangeiros. Coincidência ou
não a samaumeira é uma das árvores mais altas da Amazônia, e muitas lendas tem
a árvore como protagonista (Imagem 67-70).
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Imagens
67-70: Túnel entre as pedras e a “grande samaumeira”
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Histórico em Monsarás é
o poço também construído de pedras:
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Imagens
71-72: Poço histórico
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No belo centro de
Salvaterra, na praça Magalhães Barata as margens do rio Paracauarí, que separa
Salvaterra do município de Soure está a Igreja Nossa Senhora da Conceição, a
padroeira do município, foi construída em 1811:
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Imagens
73: Igreja Nossa Senhora do Rosário
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Ao lado da Igreja, na
praça frequentemente acontecem apresentação de carimbó, dança típica do Pará. E
em nossa expedição pudemos acompanhar um pouco dessa beleza, pena que sem as
dançarinas com suas coloridas e vistosas saias.
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Imagens
74: Grupo de Carimbó de Salvaterra
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Bibliografia
GOMES, Flavio. A Hidra e os pântanos. Mocambos,
Quilombos e Comunidades de Fugitivos no Brasil (Séculos XVII-XIX). São Paulo, UNESP,
2005
HEYWOOD, Linda M. A Diáspora negra no Brasil. São
Paulo, Ed. Contexto, 2008
MAUÉS, Raymundo Heraldo. A pajelança cabocla como
ritual de cura xamâmica”. In: Pajelanças
e religiões africanas na Amazônia. Raymundo Heraldo Maués e Gisela
Macambira Villacorta (org.), Ed. Da UFPA, Belém, 2008
PACHECO, Agenor Sarraf. As Áfricas nos Marajós.
Visões, fugas e redes de contato. In
Muito Além dos Campos. Arqueologia e história na Amazônia Marajoara.
(Denise Pahl Schann e Cristiane Pires Martins (org.), GL Noronha, Belém, 2010
SALLES, Vicente, O negro no Pará. Fundação Getúlio
Vargas e Universidade Federal do Para, 1971
SCHANN, Denise Pahl. Evidências para a permanência
da cultura marajoara à época do contato europeu. São Paulo, Revista de
Arqueologia no. 12-13, 2003
SOUZA, Armando
Lírio de. “Evolução do sistema agrário da mesorregião do Marajó: uma
perspectiva sócio-histórica”. In: III Congresso
Brasileiro de Sistemas e I Congresso Catarinense de Sistemas, 2007, Florianópolis.
III Congresso Brasileiro de Sistemas e I Congresso Catarinense de Sistemas,
2007. Capturado em 22/09/2010 http://www.isssbrasil.usp.br/pdfs2/tcms_4.pdf
[1]
Para melhor compreender essa questão seria necessário consultar um dos diversos
trabalhos que tratam da temática, entre eles a dissertação de mestrado de
Eliane Cristina Lopes Soares “Roceiros e vaqueiros na ilha grande de Joanes no
período colonial” UFPA, 2002
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