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VB 2009 Foto: PM

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Curso: "Resistência e anunciação: arte e política preta"

Edições Toró e Grupo de Capoeira Angola Irmãos Guerreiros convidam para o curso "Resistência e Anunciação: Arte e Política Preta”

Cinco encontros aos sábados, de 08/05 a 05/06, sempre das 14 às 18hs. Na Senzalinha (Sede do Grupo de Capoeira Angola Irmãos Guerreiros). Rua Arlindo Genaro de Freitas, 692 - Jd.Saporito – Taboão da Serra/SP

Inscrições até 01/05 no sítio www.edicoestoro.net. Junto ao cartaz de divulgação e com mais detalhes deste e dos outros cursos já cultivados.

As matrículas efetuadas estarão também ali, confirmadas e acessíveis no dia 05/05.

Eis os trilhos previstos para este per-curso, totalmente gratuito, com distribuição das apostilas e certificados ao final para os 32 participantes matriculados:

08/05 – “África do Oeste: Dilemas Contemporâneos no Cinema e na Dança”, com Serge Noukoue (Pesquisador em Áudio-visual, Assessor Áudio-visual do Consulado da França, Beninense) e Luciane Silva (Pesquisadora e Educadora da Casa das Áfricas, Dançarina e Professora da FACAMP)

15/05 – “Encontros na Encruzilhada: Buscas da Literatura e das Artes Plásticas no Miolo do Século XX” – com Mário Medeiros (Sociólogo e Pesquisador da Unicamp. Autor do livro Os Escritores da Guerrilha Urbana’) e Marcelo D´Salete (Artista Plástico, Quadrinhista, Ilustrador e Educador do Museu AfroBrasil)

22/05 – “Quilombos: Histórias e Sentidos, Imaginário e Arqueologia”, com Patrícia Marinho(Arqueóloga, Música e Pesquisadora de Quilombos Brasileiros) e Allan da Rosa (Historiador, Estorinhador e Educador, Angoleiro do Grupo Irmãos Guerreiros)

29/05 – “Migrações e Trajetórias Femininas: Carolina de Jesus e Lélia Gonzalez”, comFlavia Rios (Professora e Estudante de Doutorado em Sociologia na Universidade de São Paulo) eUvanderson Vítor, o Vandão (Sociólogo Negrão e Pesquisador das Desigualdades Sócio-raciais Brasileiras. Trabalha com Inserção de Jovens no Mercado de Trabalho, em Embu das Artes.)

05/06 – “Corpoesia: Orixalidade e Jazz em Performance na Literatura da Diáspora Africana", com Sílvia Lorenso (Cria do Movimento ‘Juventude Negra e Favelada’ em BH/MG; Mestre em Semiótica pela USP, Doutoranda em Literatura e Diáspora Africana na UTexas). EAvaliação Coletiva do Curso.

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"Resistência e Anunciação: Arte e Política Preta”

Pra desfrutar, questionar e escambear percepções da estética e da mocambagem de matriz afro, com suas intenções e eletricidades, carinhos e contextos.

Pra compreender alguns porquês das rodas de fortaleza e beber algumas surpresas.

Pra desenvolver pedagogias com quem pesquisa, sua e pratica. Com quem vive a questão e traz fundamentos, reflexão e vontade de esparramar.

Pra, mesmo com novas dúvidas e suas coceiras, ganhar sustança. Não arriar nas humilhações e nos farelos de cada dia.

Pra não reproduzir facinho uns quebra-cabeças cheios de quebranto, tão brilhantes na vitrine, tão sorridentes no out-door e tão fuleiros na cartilha. São quebrantos perpétuos estes nas entrelinhas da educação?

domingo, 2 de maio de 2010

Escavando o conceito de quilombo

Durante os anos em que a escravidão vigorou no Brasil os negros em atitude de resistência a esse regime formaram os quilombos. Mesmo depois de abolida a escravatura muitos quilombos permaneceram e novos se formaram, sendo que muitos desses quilombos chegaram até os dias atuais, os chamados remanescentes de quilombo.

Não temos conhecimento da visão dos quilombolas sobre si próprios, dado o desconhecimento de fontes escritas que tenham sido por eles produzidas. Assim sendo, as fontes documentais contemporâneas aos quilombos do período colonial foram produzidas, em grande parte, pelo braco escravocrata, que retratava o quilombo como sendo uma ameaça à sociedade.

Conforme Carlos Magno, de acordo com a visão dos colonialistas os quilombos eram:

...Comunidades formadas fundamentalmente, mas não exclusivamente, por escravos fugidos. Seu caráter, determinado pela condição de escravos fugidos, coloca-os em confronto permanente e direto com a ordem escravista e com os agentes encarregados da sua manutenção. (GUIMARÃES, 1999).

O quilombo segundo Kabengele Munanga é uma palavra de origem bantu, do umbundo kilombo, que designa uma instituição política e militar que envolveu várias regiões da África bantu. A definição bantu tem origem nos estudos promovidos por lingüistas europeus e “hoje designa uma área geográfica contígua e um complexo cultural específico dentro da África Negra” sendo que os primeiros contingentes de negros escravos trazidos para o continente americano eram oriundos de povos dessa região, graças às relações estabelecidas entre o reino de Portugal e o reino do Congo. Para Munanga a presença dos negros bantus e sua liderança nos quilombos são inegáveis, porém, seu caráter seria transcultural já que reunia negros de outras regiões africanas e demais indivíduos marginalizados pelo regime colonialista (MUNANGA, 1995/1996, p.58).

Os quilombos formados no Brasil guardam muitas semelhanças com o kilombo africano que se desenvolveu em angola entre os séculos XVI e XVII, começando pelo fato de abrigar indivíduos de diversas etnias, insatisfeitos com a sociedade opressora e que procuraram refúgio em áreas de difícil acesso. E aos moldes do kilombo africano os quilombolas no Brasil “transformaram esses territórios em espécie de campos de iniciação à resistência” (MUNANGA, 1995/1996, p. 63).

Durante e depois da escravidão pode-se observar vários tipos de organização quilombola, desde pequenos agrupamentos, a grandes aldeamentos como o Quilombo dos Palmares, ou o Quilombo do Ambrósio. Segundo Reis, “o quilombo podia ser pequeno ou grande, temporário ou permanente, isolado ou próximo dos núcleos populacionais; a revolta podia reivindicar mudanças específicas ou a liberdade definitiva, e esta para grupos específicos ou para os escravos em geral” (REIS, 1995/1996, p.16).

Sobre a relação dos quilombos com o externo, Moura afirma que:

... se constatou no quilombo do Ambrósio, em Minas Gerais e na República de Palmares, os negros tiveram de entrar em contato com outras camadas, grupos e segmentos oprimidos nas regiões onde atuavam. Precisavam de armas, pólvora, facas e outros objetos. Realizavam então, um escambo permanente com pequenos proprietários locais, mascates , regatões, a fim de conseguirem aquilo de que necessitavam, especialmente armas e pólvora... o escravo mineiro, por exemplo, ligava-se com muita freqüência ao faiscador e ao contrabandista de diamantes e ouro, com eles mantendo um comércio clandestino, que era severamente combatido. (MOURA, 1989, p. 24-25).

Segundo Leite, na historiografia brasileira duas são as abordagens que prevaleceram sobre o quilombo: uma de viés marxista-leninista, ligada a luta armada e outra “romanticamente idealizada” inspirada nos princípios de liberdade e igualdade propagados pela Revolução Francesa. Para a autora “a própria generalização do termo teria sido um produto da dificuldade dos historiadores em ver o fenômeno enquanto dimensão política de uma formação social diversa. O termo irá persistir principalmente para indicar as mais variadas manifestações de resistência” (LEITE, 2000, p. 337).

Conforme o Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento:

... os quilombos de hoje correspondem às chamadas terras de preto, ou Comunidades Negras Rurais, que se originaram, de fazendas falidas, das doações de terras para ex-escravos, das compras de terras pelos escravos alforriados, da prestação de serviços de escravos em guerras (Balaiada, Paraguai) e das terras de Ordem Religiosa deixadas à ex-escravos no início da segunda metade do século XVIII (GUIMARÃES, 1999).

Há que se levar em conta a diversidade das relações entre senhores e escravos ao longo do regime escravista. Essas relações se modificaram durante o tempo e de modos distintos em lugares diferentes e são fundamentais para entender as formações quilombolas.

No caso dos remanescentes de quilombo encontraremos comunidades que ocupam a mesma área desde a vigência do regime escravista, outras que foram expulsas de suas terras ocupadas originalmente. Algumas comunidades quilombolas têm origem em agrupamentos de escravos fugidos, outras se formaram depois da abolição. Na década de 1970 o movimento negro levantou a bandeira do remanescente enquanto formas de resistência política pelo fato dessas comunidades terem atravessado os séculos, enfrentando todo o tipo de adversidade, sobrevivendo até os dias atuais e podendo ser localizadas tanto no meio rural quanto urbano:

Foi publicado hoje, quinta-feira, no Diário Oficial do Estado, relatório técnico-científico elaborado pela Fundação Instituto de Terras (ITESP), entidade vinculada à Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, reconhecendo a comunidade de Brotas, no município de Itatiba, como remanescente de quilombo. É o primeiro quilombo urbano oficialmente reconhecido no Brasil.

Na comunidade vivem hoje 32 famílias. Apesar de já possuírem um documento de posse da terra, elas reivindicam o título coletivo como remanescente de quilombo, direito assegurado pelo artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A titulação coletiva seria uma forma de evitar a fragmentação do território.

Os quilombolas de Itatiba são descendentes de Emília Gomes de Lima e Isaac de Lima, escravos de uma fazenda da região. Após a morte do fazendeiro, o casal foi alforriado e passou a morar no sítio Brotas, propriedade de um casal que ajudava escravos libertos e fugidos.

Para a antropóloga Patrícia Scalli dos Santos, que elaborou o relatório juntamente com a geógrafa Rose Leine Bertaco Giacomini, há indícios de que a localidade fosse um quilombo, abrigando escravos fugidos, desde 1700. Ela defende, inclusive, a hipótese de que a cidade tenha sido fundada pelos quilombolas.

Entre 1878 e 1885, Emília e Isaac conseguiram juntar dinheiro suficiente para comprar o sítio. A geógrafa Rose esclarece que, com o crescimento da cidade, o sítio Brotas acabou sendo englobado pelo perímetro urbano. Hoje, a área faz divisa com alguns loteamentos. Por isso é considerado um quilombo urbano.

É devido à força das mulheres que o grupo conseguiu se manter ao longo do tempo em seu território. Quem detém o poder são as mulheres nos diferentes espaços, desde as relações familiares, na hora de definir as normas internas do grupo ou até mesmo discutir questões de terras, sempre são as mulheres que dão a última palavra.[i]

O conceito de “remanescente de quilombo” foi formulado a partir de uma demanda provocada pelas discussões em torno do artigo nº 68 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1988, que prevê “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.[ii]

Havia uma demanda social em torno dos afrodescendentes que há muito tempo fazia parte da pauta defendida pelo movimento negro e também apontada em estudos sociais.

O conceito de remanescente de quilombo não foi prontamente absorvido, dado a cristalização do conceito de quilombo ancorado na imagem do Quilombo do Palmares, guerreiro e auto-suficiente, sendo que as comunidades não se identificavam com essa expressão como nos explica Ilka Boaventura Leite, que fez parte do “Grupo de Trabalho sobre Comunidades Quilombolas”, formado a partir de uma solicitação feita pelo Ministério Público a ABA – Associação Brasileira de Antropologia, para que fosse elaborado um parecer sobre a questão. E em outubro de 1994 esse grupo elaborou um conceito de “remanescente de quilombo” (LEITE, 2000, p. 341-342):

O termo ‘quilombo’ tem assumido novos significados na literatura especializada e também para indivíduos, grupos e organizações (...). Contemporaneamente, portanto, o termo não se refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação biológica. Também não se trata de grupos isolados ou de uma população estritamente homogênea. Da mesma forma nem sempre foram constituídos a partir de uma referência histórica comum, construída a partir de vivências e valores partilhados.

Neste sentido, constituem grupos étnicos conceitualmente definidos pela Antropologia como um tipo organizacional que confere pertencimento através de normas e meios empregados para indicar afiliação ou exclusão (BOLETIM, 1996).

Dessa forma o conceito de remanescente de quilombo é moldado de modo a atender aos diversos grupos, com diversas origens, que reivindicam o reconhecimento, a titulação de suas terras. E como já acontecia com as terras indígenas fica a cargo de um antropólogo a preparação de um laudo, quando necessário. Em 20 de novembro de 2003 o artigo nº 68 é regulamentado pelo Decreto 4887 que prevê a “identificação, reconhecimento das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos”. Sendo estes considerados “grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com a trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.[iii]

O exposto demonstra que a questão dos remanescentes envolve fatores socioantropológicos, e como tal é dinâmica, estando em constante transformação. E que apesar do documento formulado pelo “Grupo de Trabalho” afirmar que o termo ‘quilombo’ não se refere a “resíduos ou resquícios arqueológicos”, temos notado que em algumas situações a investigação arqueológica pode contribuir com novos elementos nesse processo, em que a comunidade procura o reconhecimento. Sempre tendo claro que a evidência arqueológica não seja condição sine qua non para a titulação, dada as particularidades de cada remanescente como discutido anteriormente, e o precedente da auto-denominação.

E além da questão específica da titulação, a arqueologia por sua especificidade do seu objeto de estudo, a cultura material, pode trazer novos elementos para se pensar o afro-brasileiro e sua contribuição na formação cultural do povo brasileiro.

Referência bibliográfica

GUIMARÃES, Carlos Magno. Quilombos: classe, estado e cotidiano (minas Gerais século XVIII). Belo Horizonte: USP/FFLCH. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de História), (pp. 6-10; 82-103; 323-339), 1999.

BOLETIM INFORMATIVO NUER, Regulamentação de Terras de Negros no Brasil, I (1), Florianópolis, UFSC, 1996.

LEITE, Ilka Boaventura. Os quilombos no Brasil: questões conceituais e normativas. In: Etnografia Revista do Centro de Estudos de Antropologia Social (ISCTEE) Portugal, Vol. IV (2), 2000 p.333-354. Acesso em 22/12/2006 http://ceas.iscte.pt/etnografica/docs/vol_04/N2/Vol_iv_N2_333-354.pdf

MOURA, Clovis. Quilombos: resistência ao escravismo. Ática: São Paulo, 1989

MUNANGA, Kabengele. Origem e histórico do quilombo na África. Revista USP, nº 28: 56-63, São Paulo, dez./fev. de 1995/1996.

REIS, João José . Quilombos e revoltas escravas no Brasil. Revista USP, nº28: 14-39 São Paulo, dez./fev. de 1995/1996.



[i] Consultar página do governo federal na Internet. http://justiça.sp.gov.br/Noticias.asp?Noticia =1210 Acessado em 21/05/2007.

[ii] Consultar página do governo federal na Internet. http://planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3A7ao.htm Acessado em 21/05/2007.

[iii] Consultar site do Governo Federal: www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto/2003/D4887.htm